Al Berto


homens cegos procuram a visão do amor
onde os dias ergueram esta parede
intransponível

caminham vergados no zumbido dos ventos com os braços erguidos - cantam

a linha do horizonte é uma lâmina
corta os cabelos dos meteoros - corta
as faces dos homens que espreitam para o palco
nocturno das invisíveis cidades

escorre uma linfa prateada para o coração dos cegos
e o sono atormenta-os com os seus sonhos vazios

adormecem sempre
antes que a cinza dos olhos arda
e se disperse

no fundo do muito longe ouve-se
um lamento escuro
quando a alba se levanta de novo no horto
dos incêndios

prosseguem caminho
com a voz atada por uma corda de lírios
os cegos
são o corpo de uma fogo lento - uma sarça
que se acende subitamente por dentro


a luminosidade é uma placa de zinco suspensa
do céu de deserto

em redor
a imensidão das areias vibra contra o caos
de pedra e de eufórbios que se multiplicam
a perder de vista

o bafo inquieto dos cavalos acende
a pólvora das festas inesperadas

uma coruja morre
no cimo açucarado da tamareira

caminhas
sitiada pelo canto agudo do muezzin
chamado à oração

mektoub
sítios onde a vida cessou e tudo está escrito
há séculos - onde o coração dos homens
é uma rosa nómada e calcária

no limite da escassa água e desta terra seca
mal abençoada - caminhas
na plana noite das ardósias
nas jeiras de súplicas e recolhimento onde
talvez se esconda
o contorno quase terno do rosto de deus

Al Berto