

.________nos anos 40 - André Malraux traçou um perfil de T.E. Lawrence - que ficou inédito até há dois anos_____«Le démon de l'absolu»_____. nesse texto - falando do famoso aventureiro - Malraux reflectia realmente sobre si próprio. em 1963 - Vergílio Ferreira escrevia_____«André Malraux (interrogação ao destino)» como se se visse - de certo medo - ao espelho. censurado - esquecido______este texto fundamental foi agora reeditado - obrigando-nos a reler estes dois autores do nosso século
___________«Malraux é póstumo a si mesmo. uma esperança secreta - todavia - nos não morre de que ele ressuscite. mas a sua obra realizada - a válida - a única____essa é uma das mais extraordinárias que o nosso século produziu. daqui a cem - duzentos anos - o juízo sobre ela ignorará o que ela não é - o que ela não terá sido. mas então - se tal obra estiver certa - como disso certo estou - o erro do nosso juízo será um erro para esse juízo apenas - ou antes_____para o modo como o efectivámos e não em referência ao termos valorizado o que valorizámos não para aquilo que não tivemos aqui em conta - que mal tivemos aqui em conta - porque isso não devíamos - e isto pela simples razão - já um dia o afirmei - de que a terra seria sempre redonda_____ainda que fosse um criminoso a declará-lo__________...
.com esta afirmação categórica - Vergílio Ferreira conclui o seu espantoso ensaio sobre um dos mais controversos escritores do nosso tempo - em «Interrogação ao destino - Malraux» (título alterado por desejo do próprio - para futura reedição - como esta da Bertrand). estávamos em 1963 (a primeira edição é da Presença - na colecção Biografia de Bolso) e_____como realça Augusto Joaquim no posfácio desta nova edição - Vergílio Ferreira estava então no zénite da sua trajectória artística e intelectual. havia já escrito - O Caminho fica Longe (1943) - Onde tudo foi morrendo (1944) - Vagão J (1946) - Mudança (1949) - A Face Sangrenta - Manhã Submersa (1953) - Aparição (1959) - Cântico Final (1960) e Estrela Polar (1962) - romances - e também Sobre o humorismo de Eça de Queirós (1943) - Do Mundo Original (1957) - Carta ao Futuro (1958) - ensaios - sendo ainda 1963 o ano em que lança Apelo da Noite e Da fenomenologia a Sartre
.______este novo ensaio - aliás enviado a Malraux - que nunca respondeu (mágoa que Vergílio Ferreira carregou até ao fim dos seus dias)_____era uma «arma» literária que disparava simultaneamente em várias direcções_____por um lado - fazia o grande elogio de um criador único no seu e no nosso tempo - consagrando a sua obra como autêntica charneira na história da literatura deste século - como se houvesse um «antes» e um «depois» de Malraux______por outro lado - lia essa mesma obra - de romance e ensaio - literário e artístico - como ninguém o fizera até então (e parece-me que não voltou a ser feito_______... ) porque a leitura era feita «por dentro»______por quem se lia e revia nesses textos - há evidentes pontos de contacto - flagrantes semelhanças entre as obras dos dois escritores - sem nunca se terem encontrado - mas pertenciam ambos à mesma linhagem espiritual - se deixarmos de lado o carácter aventureiro______guerreiro - de Malraux. e é assim que Vergílio Ferreira - ao falar de Malraux_____escreve e pensa quase sempre sobre ele mesmo - por interposta pessoa (como Malraux tinha feito - mas Vergílio Ferreira não o chegou a ler - em «Le démon de l'absolu»_____ensaio biográfico sobre o famoso - «Lawrence da Arábia»_____somente publicado em 1996 - na colecção de obras completas editada pela Gallimard)
.deste modo_____«interrogação ao destino - Malraux»_____é. até certo ponto - um jogo de espelhos - e daí o extraordinário interesse desta obra____conhecendo melhor Malraux - interpretado por Vergílio Ferreira - ficamos a saber mais sobre este último___em páginas fulgurantes
.______mas há ainda um outro aspecto a salientar nas intenções deste ensaio_____o seu autor responde aqui às críticas e aos ataques que vinha sofrendo - desferidos de várias frentes - à esquerda e à direita (e ao centro)______por quem sempre se mostrou militantemente cego perante a excepcional grandeza (digo eu) da sua obra - pela qualidade da escrita (surpreendente até ao fim) e pelas questões cruciais que ela levantava
.será um exagero afirmar que Vergílio Ferreira foi um dos poucos escritores universais que a nossa literatura produziu________? não me parece. como também não erro_____certamente - ao sublinhar que os seus livros - se tivessem sido traduzidos em França - a tempo e horas - e não tão tardiamente como foram (e apenas alguns)______teriam revelado à Europa as ideias de um autor que procurou sempre escrever «cartas ao futuro»_____acabando por ter razão antes de tempo - como ele dizia de Malraux.
_______claro que hoje - diante deste ensaio sobre o autor de «A condição humana» (um dos cem livros deste século - segundo a escolha feita para o festival dos Cem Dias - da Expo) - podemo-nos perguntar__________.quem é que lê ainda Malraux_______? quem guarda dele outra imagem que não seja a do admirador incondicional de De Gaulle - arrastado também pelo turbilhão do Maio de 68 (veremos se no próximo mês de Maio, nas comemorações dos 30 anos da «revolução» - ele escapará a essa fúria demolidora) - por simples fidelidade ao que De Gaulle tinha representado como voz da liberdade____?____ sendo a memória dos povos (e dos intelectuais) tão curta como se sabe - poucos recordarão ainda o Malraux combatente da guerra civil de Espanha - na aviação republicana - o Malraux resistente - no «maquis»______contra os nazis - o Malraux que - quase no final da vida_____ainda foi capaz de se oferecer para combater de novo - pela liberdade do povo do Bangla Desh - e______uma vez mais - foi uma voz isolada - profundamente solitária_____como é próprio das grandes causas. mas livre e coerente com os seus princípios muito pessoais
._____neste extremo da Europa - provavelmente______só Vergílio Ferreira o poderia entender________///
._______daqui a cem anos______talvez - se ainda houver esta mania de ler e de escrever para nos sentirmos vivos - André Malraux e Vergílio Ferreira farão parte das nossas referências_______para não nos perdermos.
Betty Branco Martins