
«No dia seguinte ninguém morreu».
Assim começa este novo romance de José Saramago. Colocada a hipótese, o autor desenvolve-a em todas as suas consequências, e o leitor é conduzido com mão de mestre numa ampla divagação sobre a vida, a morte, o amor e o sentido, ou a falta dele, da nossa existência.»
As Intermitências da Morte
Com o seu vestido novo comprado ontem numa loja do centro, a morte assiste ao concerto. Está sentada, sozinha, no camarote de primeira ordem, e, como a havia feito durante o ensaio, olha o violoncelista. Antes que as luzes da sala tivessem sido baixadas, quando a orquestra esperava a entrada do maestro, ele reparou naquela mulher. Não foi o único dos músicos a dar pela sua presença. Em primeiro lugar porque ela ocupava sozinha o camarote, o que, não sendo caso raro, tão-pouco é frequente.
Em segundo lugar porque era bonita, porventura não a mais bonita entre a assistência feminina, mas bonita de um modo indefinível, particular, não explicável por palavras, como um verso cujo sentido ultimo, se é tal coisa existe um verso continuamente escapa ao tradutor. E finalmente porque a sua figura isolada, ali no camarote, rodeada de vazio e ausência por todos os lados, como se habitasse um nada, parecia ser a expressão da solidão mais absoluta.
A morte, que tanto e tão perigosamente havia sorrido desde que saiu do seu gelado subterrâneo não sorri agora.
Do público, os homens tinham-na observado com dúbia curiosidade, as mulheres com zelosa inquietação, mas ela, como uma águia descendo rápida sobre o cordeiro, só tem olhos para o violoncelista.
Com uma diferença, porém...
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desejo-vos_____boas leituras
Betty Branco Martins
Betty Branco Martins